Prestes a completar um ano, primeira casa de acolhimento LGBTQIA+ da Região Sul corre risco de fechar

Cleo Araujo milita na causa LGBT há duas décadas. Foto: Ronaldo Bueno / Divulgação

Para uma parcela significativa da população LGBTQIA+, o ambiente doméstico não é sinônimo de acolhida e segurança. Dados compilados pelo Grupo Gay da Bahia (GGB) mostram que 23% das mortes violentas de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais registradas em 2020 aconteceram na residência das vítimas. Para além das estatísticas, muitos membros da comunidade são expulsos de casa pela própria família e acabam em situação de rua.

Foi pensando nesse cenário que a ONG Construindo Igualdade, de Caxias do Sul (RS), inaugurou em maio de 2021 a primeira casa de acolhimento LGBTQIA+ da Região Sul do Brasil. Passados 10 meses desde o início da operação, o local já atendeu 35 pessoas vindas de diferentes cidades gaúchas, como Porto Alegre, São Leopoldo, Viamão e Pelotas, e também de outros Estados do país, como Santa Catarina, São Paulo e Amazonas.

“O resultado desse trabalho é muito mais do que um número. São 35 vidas que poderiam estar na rua, sem direito à cidadania, sem oportunidade de emprego. Por isso, o acolhimento não é só um teto para dormir. A gente quer dar uma segunda chance para que essas pessoas reconstruam seus caminhos”, avalia Cleo Araujo, diretora da ONG e militante da causa há cerca de 20 anos.

Apesar da relevância social do trabalho desenvolvido na Serra Gaúcha, a entidade passa por situação financeira delicada, o que põe em risco a continuidade dos serviços da casa de acolhimento. O valor necessário para manter as atividades gira em torno de R$ 4,5 mil por mês, incluindo despesas básicas de aluguel, alimentação, água, luz e internet.

Sem apoio do poder público ou patrocinadores da iniciativa privada, a entidade depende exclusivamente dos recursos obtidos por meio de apadrinhamento e das vendas do brechó solidário. Atualmente, são seis padrinhos que contribuem com mensalidades de R$ 100. Já o brechó, localizado no térreo da casa de acolhimento, funciona todos os sábados, das 9h às 16h, com peças de roupa vendidas a R$ 15.

“Todos os meses, tenho colocado dinheiro do próprio bolso para fechar as contas da casa, pagar a manutenção de um chuveiro que queimou, comprar uma mistura para o café dos meninos… Se o cenário atual permanecer, infelizmente não vamos chegar ao final do ano com atendimento”, lamenta a diretora.

Divulgação Sabe Caxias:

Atualmente, a Casa de Acolhimento Construindo Igualdade conta com sete moradores, na faixa dos 20 aos 32 anos. O espaço tem capacidade para receber até 10 pessoas. Os moradores podem permanecer por até 12 meses, período em que recebem assistência psicológica, médica e jurídica de profissionais voluntários. Além de moradia temporária, a ONG também oferece cursos gratuitos. A primeira edição do Prepara Enem Profª Marina Reidel, realizada em 2021, resultou na aprovação de duas alunas para bolsas integrais do Prouni. Já a formação profissionalizante de auxiliar de cabeleireiro capacitou mais de 10 pessoas para atuar em salões de beleza.

Outro serviço mantido pela ONG é o grupo de escuta terapêutica, aberto não apenas para os moradores da casa, mas para membros da comunidade LGBTQIA+ de Caxias do Sul e seus familiares. Os encontros são realizados aos sábados, das 17h às 19h. “É um espaço para que todos possam compartilhar suas angústias. A ideia é que, com o grupo de escuta, essas pessoas entendam que não estão sozinhas. Somos mais fortes quando estamos juntos”, destaca Cleo.

Quem quiser ajudar a ONG Construindo Igualdade pode fazer doações de qualquer valor para o Pix/CNPJ 06.192.924/0001-23. A entidade está aberta para visitas de pessoas que desejam conhecer o trabalho realizado, mediante agendamento pelo WhatsApp (54) 99161-3078.

 

Trajetória de luta

 

A inspiração para abrir uma casa de acolhimento voltada à comunidade LGBTQIA+ veio da experiência pessoal de Cleo Araujo. Natural de Rio Branco (MT), foi expulsa de casa ainda na pré-adolescência por conta de sua identidade de gênero. Acabou sendo levada para uma fazenda no interior do Centro-Oeste, onde foi mantida em cativeiro e obrigada a se prostituir junto com outras crianças, até que uma denúncia a libertou.

 

Sem o apoio da família, Cleo precisou se prostituir para conseguir se manter e continuar os estudos. Já em Santa Catarina, abriu seu primeiro salão de beleza. Mais tarde, mudou-se para a Serra Gaúcha, onde passou a atuar como artesã e militante da causa LGBTQIA+. Em setembro de 2021, fez história ao se tornar a primeira mulher trans a ocupar uma cadeira na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, como suplente, por duas sessões. Também presidiu o Conselho Estadual de Políticas LGBT do Rio Grande do Sul na gestão 2019-2022.

 

Sobre a entidade

A ONG Construindo Igualdade é uma entidade sem fins lucrativos de Caxias do Sul (RS) que iniciou suas atividades em 2003, a partir da necessidade de organização da comunidade LGBTQIA+. Dirigida por Cleo Araujo, tem como missão combater qualquer tipo de discriminação e violação de direitos humanos em função da orientação sexual ou identidade de gênero, atuando para garantir o direito à cidadania plena e à livre expressão. Possui um histórico de atuação com pessoas em situação de vulnerabilidade, mulheres vítimas de violência doméstica e pessoas convivendo com HIV e AIDS, por meio de ações de assistência social, saúde, advocacia, educação, cultura e acolhimento.

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *