Projeto Histórias na Pele chama atenção para a prevenção ao suicídio
Iniciativa da agência caxiense Fabulouser Design, em parceria com a psicóloga Nica Ribeiro e com tatuadores voluntários de todo o país, oferecerá tatuagens grátis ou a preço de custo para quem quiser cobrir marcas de automutilação. Campanha integra o Setembro Amarelo, que alerta para o problema
Mais de um milhão de pessoas se suicidam por ano em todo o mundo. No país, cerca de 12 mil brasileiros interromperam suas próprias vidas e 17% da população já pensou na possibilidade. Os números são alarmantes e refletem o tabu que existe na sociedade para superar a doença.
Com o objetivo de reduzir os casos, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) organiza desde 2014 o Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção ao suicídio, em sintonia com o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, simbolizado no dia 10.
Neste ano, uma iniciativa inédita foi criada em Caxias do Sul (RS), mas ampliada para todo o Brasil, para ajudar nesta mobilização. Caroline Moreira Nora, Luana Bolfe Venson e Débora Scopel Moreira, da Fabulouser Design, criaram o projeto Histórias na Pele. A campanha visa proporcionar às pessoas que já tentaram suicídio uma nova forma de olhar para esse momento como passado, incentivando-as a reescreverem suas histórias a partir dali.
O trio está reunindo tatuadores voluntários de todo o país que se disponibilizem a fazer tatuagens grátis ou a preço de custo para quem quiser cobrir marcas de automutilação ou outras cicatrizes que lembrem momentos ruins. Até o momento, 40 profissionais de 10 estados do Brasil se voluntariaram, sendo 15 deles do Rio Grande do Sul e oito da Serra Gaúcha. Porém, a meta é ampliar o número para que mais pessoas sejam ajudadas.
Além do layout de toda a campanha, os profissionais receberão materiais de apoio e instruções sobre a prevenção ao suicídio, além de treinamento sobre como receber com empatia quem já passou pela situação. Serão até três tatuadores por cidade e a expectativa é que o Histórias na Pele auxilie centenas de moradores.
“Nosso objetivo é mudar algumas vidas. Se ajudar uma pessoa, esse projeto já valeu a pena! Iniciativas similares ao Histórias na Pele são desenvolvidos pelo mundo, mas sentimos que precisávamos colaborar e mobilizar tatuadores por aqui também. Temos pessoas próximas que sofrem com essas dores e sabemos da dificuldade que elas têm em se abrir e ir voluntariamente até um estúdio, devido à falta de preparo da maioria dos tatuadores em recebê-las e tratar com respeito e empatia seus sofrimentos e marcas. Há vários relatos de pessoas que nunca mais se automutilaram depois de terem coberto as cicatrizes com tattoo”, explica Caroline Moreira Nora, uma das idealizadoras do projeto Histórias na Pele.
Para a psicóloga e também parceira da campanha, Nica Ribeiro, a iniciativa é um novo olhar sobre si, concretizado por um símbolo, fomentando uma tentativa de passagem para algo mais saudável.
“A proposta das tatuagens é linda e muito significativa. É uma forma de materializar o simbólico que criamos e desejamos em trazer algo novo em nós, que sobreponha ao velho. É parecido com uma ‘nova oportunidade’, um recomeço ou até, quem sabe, um renascer”, acredita a Gestalt terapeuta.
As avaliações e agendamentos serão feitos de 1º a 30 de setembro, mas as tatuagens poderão ser realizadas também nos próximos meses, de acordo com a disponibilidade de cada profissional. Não serão cobertas cicatrizes recentes e, para se tatuar, é necessário ter mais de 18 anos ou, no caso de menores de idade, autorização dos responsáveis.
“Marcas muito recentes não serão tatuadas, pois não queremos incentivar ninguém a se autoflagelar a fim de obter a tatuagem gratuita ou com preço de custo”, lembra Caroline.
Tatuadores interessados em se voluntariar devem entrar em contato através do telefone (54) 9.9180.3535 ou pelo perfil da Fabulouser Design (@fabulouserdesign) no Instagram. Já o público interessado em fazer a cobertura da cicatriz deve entrar em contato diretamente com os tatuadores. A lista com nomes e contatos desses profissionais estará à disposição também no perfil.
Na rede social da agência, o projeto será ampliado por meio de uma campanha informativa, alertando para prevenção de suicídios, as inúmeras causas que podem levar a pessoa interromper a vida, tipos de terapia e onde obter ajuda.
Além das idealizadoras do projeto e dos tatuadores voluntários, quem precisar de uma palavra de conforto pode entrar em contato com Centro de Valorização da Vida (CVV), pelo telefone 188. A ligação é gratuita.
Conheça o programa SABE CAXIAS by BITCOM:
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MÚSICA
Conhecer para prevenir
Saber reconhecer os sinais de alerta em si mesmo ou em alguém próximo a você pode ser o primeiro e mais importante passo para a prevenção do suicídio. Conforme a psicóloga caxiense Nica Ribeiro, devemos levar em consideração que nem todas as pessoas falam ou contam o que sentem, mas sinalizam.
A família, amigos, colegas de trabalho, vizinhos e professores podem exercer uma grande colaboração para um olhar atento em relação a mudanças abruptas de comportamentos, que podem estar servindo como um ato de comunicação de alguém que está em sofrimento.
“A primeira coisa que devemos aprender é que a dor humana não merece ser hierarquizada, ou seja, quando alguém fala de sua própria dor, ela diz respeito ao tamanho que isso tem, dentro dela. Quaisquer frases do senso comum, como ‘isso não é nada’ ou ‘você sempre reclama de tudo’, não contribuem para uma abertura ao diálogo e compreensão do que se passa com o outro”, alerta a psicóloga.
Ainda de acordo com Nica, a tentativa de suicídio é multifatorial, ou seja, não tem uma única causa. Uma conjunção de fatores pode contribuir para a forma como vivemos: a maneira de enfrentamento de situações difíceis, padrões de comunicação, a forma como se estabelece relações, comportamentos de apegos, estrutura emocional, biológica, genética, entre outros.
“Quando o assunto for dor emocional, que não sejamos simplistas. Nossa grande colaboração enquanto ‘gente’, talvez, se volte realmente para nos sentirmos humanos diante das dores do outro. Cabe, então, para um manejo inicial, sermos acolhedores, generosos, descabidos de preconcepções, porém atentos e ativos”, aconselha a especialista.
Nica ainda faz um alerta para a grandiosidade do problema e acredita que, especialmente na Serra Gaúcha, o assunto seja visto como um tabu entre familiares e amigos.
“Os dados estatísticos de morte devem ser ainda maiores do que os registrados, pois quando acontece o fato, nem sempre é documentado como tal. E se falarmos em tentativas, os números devem ser proeminentes, porque quando a pessoa chega no hospital, nem sempre ela se sente à vontade para contar – o que ocasiona num encaminhamento não adequado – ou é omitido, muitas vezes, por solicitação da família. Esse comportamento é, especialmente, visto na Serra, onde a população se preocupa muito em ter um posicionamento social”, afirma.