Bolsonaro tornou o professor Olavo de Carvalho famoso, não foi o contrário / Por Carlos Wagner, repórter

Bolsonaro (esquerda) teve como aliado na divulgação do negacionismo o professor Olavo de Carvalho (direita). Foto: Reprodução

Se o capitão do Exército reformado Jair Bolsonaro não tivesse sido eleito presidente do Brasil, em 2018, o professor autodidata Olavo de Carvalho, falecido aos 74 anos, nos Estados Unidos, na segunda-feira (24/01), entraria para a história como uma personagem exótica e não como o guru de Bolsonaro. Se existe uma coisa que nós jornalistas aprendemos nesses três anos de mandato do presidente da República é que ninguém diz para ele o que fazer, nem mesmo os seus três filhos parlamentares: Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo. Todos que tentaram fazer a cabeça do presidente falharam, incluindo o ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas e um punhado de outros generais que apostaram que as Forças Armadas poderiam voltar ao poder pelo voto graças à popularidade de Bolsonaro. E uma vez no poder poderiam manobrá-lo para fazer um governo seguindo as regras ditadas por eles. Foram todos demitidos e só ficaram no governo os generais que aceitaram receber ordens do presidente.

A maioria dos colegas jornalistas está dizendo que foi de guru o papel exercido pelo professor Olavo de Carvalho na carreira política do presidente. Não foi. Os gurus de Bolsonaro foram os oficiais da linha dura das Forças Armadas que deram o golpe militar em 1964 e ficaram no poder até 1985, quando o país foi redemocratizado. Foram oficiais como o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (falecido em 2015), que ganhou fama como torturador de presos políticos durante o regime militar usando o codinome Dr. Tibiriçá. O coronel Erasmo Dias (falecido em 2010), que comandou a invasão do Teatro da PUC de São Paulo, em 1977, e prendeu os estudantes que estavam reconstruindo a União Nacional dos Estudantes (UNE). Dias depois foi vereador e deputado estadual e federal por São Paulo. E o general Newton Cruz, que entrou para a história quando, em 1983, como chefe do Comando Militar do Planalto, em Brasília (DF), comandou a cavalo a repressão aos manifestantes que protestavam contra a derrota no Congresso do projeto das Diretas Já, que restituía as eleições diretas à Presidência da República. Newton Cruz está com 97 anos e vive no Rio de Janeiro. Em 2010, eu o entrevistei durante uma manhã inteira e almoçamos tomando Grapette, um refrigerante de uva. O general é uma lenda entre os conspiradores de 1964.

Com a redemocratização do país iniciada em 1985, os militares ligados ao golpe de 64 e seus apoiadores parlamentares e empresários recuaram na vida pública. A vida parlamentar do Brasil recebeu um vasto e diversificado grupo de novos políticos vindos de vários setores da sociedade, como sindicatos, movimentos populares, ecologistas e religiosos. Era a época da Assembleia Constituinte (1987-88) que publicou a nova Constituição do Brasil. Nessa época surgiram nas redações dos jornais comentaristas políticos, editores e repórteres que se alinhavam com a posição política dos empresários donos dos grandes jornais na defesa do capital e contra o avanço das políticas sociais. Entre os comentaristas políticos estava Olavo de Carvalho, um professor autodidata, dono de capacidade de se expressar muito boa e articulado. Em 2017, quando os filhos parlamentares de Bolsonaro descobriram o trabalho do professor, ele já tinha um respeitável currículo e também já havia se envolvido em disputas na Justiça com o PT – há matéria na internet. Ainda por volta de 2017, quando Bolsonaro foi apresentado ao trabalho do professor pelos seus filhos, ele já era um experiente parlamentar com três décadas de trabalho (vereador do Rio e deputado federal pelo Rio de Janeiro). Olavo de Carvalho não ensinou a Bolsonaro nada que ele já não soubesse. Basta ver os seus discursos na Câmara dos Deputados. Está tudo lá por escrito: ele odiava o PT, era contra os gays e as mulheres, dizia palavrões em público e por aí afora. Ele usou o professor para polir o seu reacionarismo e, com isso, ampliar a sua base de eleitores, que até então tinha o seu núcleo forte entre as famílias de integrantes das Forças Armadas e de policiais militares, civis e federais. Neste ponto da nossa conversa lembro-me de um documentário a que assisti sobre os julgamentos dos nazistas pelo Tribunal de Nuremberg, em 1945-46, na Alemanha. Um dos julgados foi Julius Streicher, professor e editor do jornal Der Stümer, que já em 1923 defendia a extinção dos judeus na Alemanha. Streicher se tornou amigo e aliado do líder Adolf Hitler e o seu jornal acabou sendo agregado à máquina de publicidade nazista. Ele não ensinou Hitler a odiar os judeus. Mas ajudou a espalhar o seu ódio na população alemã. Foi condenado pelo juízes de Nuremberg e enforcado – há material disponível na internet.

O professor Olavo de Carvalho não ensinou a Bolsonaro nada que ele já não soubesse. Mas o ajudou a espalhar o seu negacionismo em relação ao poder de contaminação e letalidade da Covid-19. Bolsonaro tornou o negacionismo em política de governo, o que resultou em um desastre, como foi documentado nas 1,3 mil páginas do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid-19 no Senado, a CPI da Covid. As digitais do presidente e dos seus ministros foram encontradas pelos senadores nas mais de 600 mil mortes causadas pelo vírus e em cenas que jamais serão esquecidas, como os mortos por asfixia devido a falta de oxigênio hospitalar em Manaus (AM) e em cidades do interior do Pará. Confesso que só fui notar o professor Olavo de Carvalho quando Bolsonaro assumiu o seu mandato de presidente em 2019. Até então, sabia da existência dele. Mas nunca tinha dado maior importância. Até porque, nas redações dos jornais, personagens como ele brotam nas sombras dos editores e proprietários das empresas e somem sem deixar saudade. Se não tivesse acontecido a pandemia, o professor Olavo de Carvalho seria uma pessoa que ganhou notoriedade porque um presidente da República leu os seus livros e defendeu as suas teses publicamente. Mas houve a pandemia e o professor tornou-se cúmplice da política genocida do governo do Brasil. Está tudo lá no relatório da CPI da Covid.

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Divulgação Sabe Caxias:

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