Crônica / O BAH / Cassiano Santos Cabral Poeta, contista, cronista, romancista policial com cinco livros publicados.

Existem pessoas insubstituíveis, gostos inexprimíveis e palavras intraduzíveis. Não dá para substituir pai e mãe. Impossível descrever o gosto da manga, mesmo provando-a.

Foto Cassiano Santos Cabral

Algumas palavras são intraduzíveis, pois fazem parte de um determinado lugar. Elas estão no DNA da região (uma espécie de código genético geográfico). Palavras que não se explicam, mas sabemos precisamente quando (e como) usá-las e incorporá-las no
dicionário dos costumes. Palavra intraduzível: BAH. O Brasil todo tenta imitar o sotaque dos gaúchos, mas não consegue. Soa tão falso quanto produto chinês vendido no Brasil. Não existe curso de “gauches”. Lá pelas tantas eles usam você, ao invés de
tu; menina, ao invés de guria; semáforo e não sinaleira, misto quente e não torrada, vitamina, ao invés de batida, acidente de carro e não pechada, sem falar nos chiados entre “erres” e “esses”… Agora, o tal do Bah, ninguém consegue. O que é mesmo o bah? É algo que faz parte da cultura do povo. É como assar um bom churrasco, preparar um chimarrão ou sentir um vento minuano. Coisas de gaúcho da gema. E não tente entender qual a melhor erva-mate para preparar o chimarrão ou saber o momento exato
quando o churrasco está pronto… É no olhômetro. O Bah pode ser Baaaaah ou bahhhh ou b- a- h, ou ainda bã seguido de um suspiro… Depende da ocasião. Quando se vê uma moça bonita usa-se bah, para mulher feia idem, mas aí o bah já é diferente. Cerveja
gelada merece um bah, mas para cerveja quente também cabe um bah de protesto e sair do bar sem pagar os dez por cento do garçom. Bah é como tri que não é três vezes (trilegal é coisa do passado), cacetinho que não é um pênis pequeno e negrinho que não
é um afrodescendente impúbere. Bergamota e hipotenusa, por exemplo, parecem ser o nome de uma senhora velha, com as pernas grossas, veias dilatadas e “juntas” inchadas.
A hipotenusa ao quadrado é igual à soma do quadrado dos catetos. E bergamota? Bem…Venha para o Rio Grande do Sul e descubra. O nosso Estado tem coisas curiosas, como o fato do litoral não ser tão belo quanto o do resto do Brasil (consenso geral), mas em
compensação, a maior praia do mundo em extensão – Cassino – é nossa. É por isso que é bah pra lá e de bah para cá. E mais: tem até restaurante com nome de BAH, mas nunca estive por lá (ainda). Bah é coisa de quem mora no sul do Brasil, cuja Capital tem a Rua
da Praia (sem areia e nem mar), a Avenida Praia de Belas (belas não faltam) e um pôr do sol que é espetacular. A Rua Gonçalo de Carvalho, em Porto Alegre, é famosa, pois é considerada a rua mais bonita do mundo. A Cerveja Polar é a melhor de todas. Não
cabe contestar. Se tentar… Bah! A briga está feita. Entendeu? No Cais do Porto não existem pessoas felizes dançando capoeira para justificar o nome da cidade. A Capital é Porto Alegre e pronto (mesmo com a água turva do Rio Guaíba, um trânsito caótico e
um bairro chamado Tristeza). E por quê? Bah… Não sei. O bah é uma equação matemática complicada. Um poema com muitas metáforas. Um processo com muitas folhas que desafia qualquer causídico estrangeiro. O bah é tão nosso tal como: o Inter, o
melhor time do Brasil e que já nos deu tantas alegrias, as hortênsias e os vinhos da serra, os Jacarandás roxos e os Ipês amarelos. Quem usa o bah é gaúcho e não é gente de fora.
Não adianta nem tentar, pois ninguém irá ensiná-lo a empregar o bah. É um tipo de um pacto velado entre os moradores, tal como a receita da coca-cola que ninguém revela. É algo como uma reunião só de fumantes ou de maçons. Algo secreto, a exemplo do sorriso enigmático da Monalisa, que perdura no tempo sem decodificação. O bah é a nossa cachaça verbal. O pior é quando estamos distantes do Rio Grande… Como sentimos falta de ouvir um tu, um tri e um bah… Como sobreviver sem ouvir um bah?
Impossível. Gaúchos levam o bah na ponta da língua e junto com a máquina das emoções. Vamos vivendo entre tu e bergamotas, negrinhos e cacetinhos, enfrentando lombas e sinaleiras, neste belo Estado do sul do Brasil. Ah… E quanto ao bah? Pois bem… Não sei o que te dizer, mas se morar uns vinte anos por aqui talvez compreenda o sentido da palavra (talvez não). A tentativa não custa. É mais ou menos como aprender logaritmo, dá para passar de ano, mas sem saber usá-lo (nunca soube a utilidade)…
Coisa de matemático. Bah: coisa de gaúcho. Se vier morar para cá traga um Casaco Sobretudo e um guarda-chuva. Não duvide se fizer uns trinta graus em agosto e nem se impressione com a instabilidade do tempo, pois logo choverá e a temperatura baixará
uns vinte graus. Complicado? Mas, Bah Tchê.

Cassiano Santos Cabral
Poeta, contista, cronista, romancista policial com cinco livros publicados.

Divulgação Sabe Caxias:

 

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