O bocó do dedo podre parte 01 por Miguel Brambilla
“O Brasil é o país do futuro”, quem nunca ouviu essa frase dita retumbantemente por ufanistas de todas as ordens. Políticos dos mais variados matizes “ideológicos” e de diversas “correntes” partidárias, mal conseguindo disfarçar o desejo de poder em seus olhos e corações. Fazem muitos anos que a tecnologia avança pelo planeta, que a filosofia propõe soluções para uma sociedade melhor, que as religiões sérias estimulam o espírito humano a buscar a evolução da mente e do caráter. Por que não avançamos com maior velocidade então na direção da paz, do equilíbrio, da boa educação, de um mundo melhor? Qualquer tese desembainhada da mente afiada neste momento, será mera redundância, por que aparentemente, tudo já foi escrito, discursado, proposto. O que se deduz então? Que o atraso geral das sociedades é simplesmente intencional, proposital, calculado.
A democracia brasileira é capenga, o coronelismo ainda existe, o populismo parece estar cada vez mais forte e a polarização nesse momento, com toda sua violência e radicalidade, parece ter tornado a discussão cada vez mais rasa.
O bocó do dedo podre é um cidadão comum. Pode ser homem, mulher, jovem, adulto, até mesmo idoso ou da melhor idade, desobrigado do voto. Gostaria de acertar. De escolher pelos seus critérios de valores éticos e culturais, alguém que o representasse de forma honesta, que fizesse propostas de lei reais e sinceras para a sociedade em que vive.
O bocó do dedo podre, gostaria que seus filhos e netos tivessem um mundo melhor do que o seu, já que o Brasil do futuro nunca chega. Sempre tem alguém, algum grupo querendo voltar as velhas elites que continuam se locupletando de privilégios culturais, educacionais e do poder, sem jamais querer dividir nem mesmo migalhas de suas conquistas, algumas meritórias, outras exploratórias. Sempre tem alguém querendo implantar sua milícia, sua quadrilha, seu partido. Ou seja. Apesar da Constituição de alguns frágeis e ameaçados avanços sociais, continuamos no passado da colonização que tentou replicar outros impérios falidos do passado sem constituição, pela imposição constante do poder e da força bélica ou não.
O bocó do dedo podre está cansado. Vai votar em quem? Vai decidir o que? Para que serve o seu voto, se depois disso ele nem consegue mais nada que se aproxime de suas reais esperanças e portanto, não participa nem mesmo fragilmente do poder que concedeu ao seu eleito? Então ele se aliena da política. Segue vivendo, por que tem que viver, mesmo sem ter para onde correr. Segue no seu comércio, na sua escola como empreendedor ou como professor, como comerciário ou como aluno, por que quem manda mesmo são os grandes monopólios, as grandes corporações, os especuladores do mercado, as commodities.
O bocó do dedo podre tem título e vota, por que é obrigatório. No caminho cata latas e papelão e vende por troco qualquer para levar qualquer coisa para casa, para si ou para alguém que divida com ele um pouco de calor humano, de humanidade, esposa ou filhos. E se não vota por que não pode, nem tem documentos, não está nas estatísticas, não existe, é invisível, sendo descoberto apenas na pandemia, não tem só o dedo podre, não é apenas um bocó para as autoridades, não passa de ninguém.
Que mundo é esse? Que sociedade é essa? De omissos. De covardes. De poltrões que se pavoneiam em salões de sociedade, como se vivêssemos na era dos salões franceses, de Luis XVI. Eu fiz, eu faço, eu conheço, eu aconteço. Para eles, o bocó do dedo podre, por um lado é “massa de manobra”, por outro lado é apenas uma oportunidade de poder. Não há teoria para a mesma ação para aqueles que dizem que o capital é o que vale, talvez para si, por que se a pobreza e a miséria continuam, não vale tanto assim para quem não tem poder, não tem influência, não tem educação, não tem capacidade de qualquer tipo de mobilidade social e precisa ficar bajulando os velhos senhores feudais jogados ao presente pela linha do tempo de perpetuação de seus velhos preconceitos esnobes e egoístas.
O bocó do dedo podre acredita nas intensões dos políticos. Acredita que dias melhores virão, tem esperanças que terá algo melhor no amanhã, por isso continua vivendo, por isso continua tentando, por isso continua carregando um carrinho de carga de lixo, lotando de coisas de mínimo valor, como um burro de carga do presente, como o velho escravo das fazendas de café do passado, ou do presente em alguns lugares desse planeta que segue inferiorizado por nossas incapacidades de amar.
Quem vai dizer que poderemos ir além dessas fronteiras destruidoras de felicidades? Quem vai dizer que a esperança tem ainda algum valor para o bocó do dedo podre? Sua féria do dia? Sua vontade indestrutível de continuar? Sua capacidade de manter-se firme enquanto luta por uma vida diferente? O que mantém esse povo na esperança? Tantas pontes, tantos rios, tantas armas, apenas uma faca, um veneno de rato e fim do inferno? Muitos optam por esse caminho, mas como são invisíveis aos olhos do topo da pirâmide, não são nem mesmo estatísticas, são menos custos para o estado. Outros, lentamente se jogam no desespero do álcool, das drogas, da loucura insana de que o fardo, que poderia ser suportável em uma sociedade melhor, esmaga seus ombros, corações e pensamentos, no peso de suas penas cansadas e suas almas aflitas.
Quem vai dar valor um dia ao bocó do dedo podre? Ninguém ainda sabe. O que se sabe é que o caos ainda está estabelecido, apesar das inovações tecnológicas. O que se sabe é que o velho teatro grego, com seus dramas épicos, ainda é atual como o velho Shakespeare. Vitor Hugo contou as misérias do mundo, as almas em vários tempos ainda são as mesmas. Então por que?
Pobre bocó. Pobre ser que não verá da vida senão mais a fome, o frio, o pó das ruas, a sujeira dos homens nem mesmo importa mais, quando os vidros fechados e escuros, simplesmente ignoram suas existências. Não terá nem mesmo a capacidade de se organizar honestamente para uma transformação, para uma tentativa de reorganização social. A lei não o protege, os líderes não os defendem, as artes os ignoram, os sonhos se esvanecem e mesmo assim, eles tem a esperança na alma, tem filhos, tem amor, tem vontade.
Pobre bocó do dedo podre. Lá vai ele votar de novo. Vai estacionar o carro de lixo, ou o carro velho, ou a velha sandália, entra na Zona Eleitoral com seu velho companheiro pulguento das noites frias nas marquises, carrega na bolsa preservativos baratos que usa para sobreviver na prostituição das ruas, liga de um celular barato ou roubado, comprado em um mundo onde não se conhece outras leis, senão as do abandono e da oportunidade miserável e segue a vida.
Na posse? Não. Na posse o bocó do dedo podre está na praça, no chafariz, correndo louco nas ruas atrás do carro oficial que passa com o falso rei abanando. Corre como um idiota, como se fosse vencer a barreira que os separa no outro dia, num populista aperto de mão. No palácio só os amigos do rei e até mesmo os inimigos, baseados na falsa educação, no polimento social, mas no desejo de morte entre si. Nem lembram que os bocós estão lá fora, gritando na cachaça pobre, no pão com mortadela, no pastel de feira. Nos palácios os melhores vinhos e melhores presentes. Mas o mito continua, mesmo que seja um idiota, um boçal, ou um ladrão ignorante e esperto. Onde vai a vida depois disso?
Ninguém sabe. Ninguém saberá. Mas…triste bocó do dedo podre, siga votando. É o seu melhor momento. Para isso você existe, serve as elites ocultas em suas utopias, ideologias, hipocrisias e ufanias. Não verás ainda tão breve a boa escola para seus filhos, a boa casa, a boa comida. Não vê nem mesmo teus esgotos escondidos em canos construídos, por que para isso não faz voto, não faz sentido.
Pobre bocó do dedo podre, com seu corpo calejado, com seus ternos puídos. Segue vivendo, segue acreditando, por que o que te acha bocó e que te engana, não terá só o dedo podre que culpa tua não é…tem a alma corrompida desde a unha do pé e quando acordar do sonho dos loucos e de toda responsabilidade que vier, não terá mais alegria, nem um pouco, somente a dívida que tiver. Se Deus quiser.
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