Artigo / Lembrar é viver de novo por Uili Bergammín Oz

Uili Bergammín Oz / Crédito: Waner Biazus

“Lembrar é viver de novo”

A frase acima é de José Saramago, escritor português falecido em 2010 e que influenciou não apenas minha obra, mas minha vida como um todo. O que a memória ama permanece eterno. Pois agora, ao escrever este texto, vivo outra vez minhas primeiras experiências de sociedade, de disciplina, minha alfabetização nas letras e nas paixões. Histórias que já passaram faz tempo, mas que ainda mexem comigo.

Meu pai era metalúrgico e minha mãe dona de casa.  O Brasil atravessava um momento difícil, de transição política e econômica, que eu ignorava. Levávamos uma vida simples; as várias mudanças de residência e o início da vida escolar é o que realmente me preocupavam.

No pátio da escola enxerguei o mundo. Todos os tipos humanos e desafios que encontro hoje em minha vida, já estavam lá. E o que eu fui naqueles três anos seguintes, sou ainda agora: teimoso e birrento, mas aplicado, sonhador, bom aluno. Machado de Assis disse que o menino é o pai  do homem. Ele sabia das coisas. Eu era brigão e lutava com todos os alunos de minha idade ou de qualquer outra idade. Brigava por aquilo que eu achava certo, embora estivesse torto na maioria das vezes, seja por aquilo que eu me debatia ou da forma como fazia. Vivia na “cadeirinha de pensar”, colocada em um canto da sala, para refletir sobre meus erros. Serviram muito. Hoje ainda sento sozinho, para ruminar meus atos.

Mas nem só de caos foi feita aquela época. Grandes amigos-pessoas também surgiram lá. Também lembro das garotas, algumas minhas namoradas, embora nem todas souberam disso: a Graziela, a Aline e outras que não recordo o nome. Em 1986 representei a turma no concurso de dança do Dia de São João. Eu pude escolher qualquer menina da sala e lembro que apontei para uma das gêmeas, lindas. Ficamos em 2º lugar, concorrendo com alunos mais velhos. Foi um dia e tanto. Tomamos quentão, comemos pipoca e passeamos a tarde toda de mãos dadas. Só isso. Mas isso, para um homem de sete ou oito anos de idade, é o céu.

Das professoras, lembro bem de duas: a Marilene, do jardim da infância e a Rosa, da 2ª série. Ambas amorosas e pacientes. Devo a elas muito de minha memória afetiva e tudo de meu letramento.

Em 1988 fomos morar em Cotiporã, terra da família de meu pai, quando eu tinha passado para a 3ª série. O objetivo de qualquer aluno, naturalmente, era a 4ª, pois era a turma dos maiores, os mais respeitados. Incrível como aqueles caras pareciam grandes naquela época! Depois, teríamos que ir para outra escola, provavelmente a Landell de Moura.

Sim, lembrar é viver de novo. Sinto agora o gosto dos lanches que a mãe preparava e colocava na merendeira,  o cheiro dos cadernos e lápis e borrachas novas no início do ano letivo. Ouço os risos dos meus colegas, as explicações da profe, o quadro todo riscado e ela nos ensinando as pronúncias daqueles hieróglifos. A tremedeira nas pernas, antes do sinal e a beleza do azul marinho de nossos uniformes.

Hoje sou escritor, com vários prêmios e livros publicados. Estou literalmente realizando meu sonho, meu projeto de vida. Escrevi para jornais, revistas e apresentei programas de TV. Mas sou de origem humilde, vindo de um bairro operário. Tive a sorte de ter uma mãe que se preocupou com meu estudo. E a felicidade ainda maior de ter me alfabetizado em uma instituição pública, mas de qualidade, como é o caso dessa escola. A tua aldeia te dá o poder universal, já disse Tolstói. O aluno que fui, a capacidade de relacionamento com professores e colegas, a responsabilidade e a disciplina que aprendi, fizeram de mim o que sou hoje: um sonhador.

Acesse o site oficial do autor: 

Apoio Cultural:

 

 

 

 

Acesse nosso site: 

http://www.sonhemaisviagens.com.br/

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *